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sábado, 6 de novembro de 2010

O coadjuvante do espetáculo do cinismo volta ao palco como papagaio de pirata


Poucos poderiam escrever tão Bem.



Três convidados e três sem-convite dividem com Dilma Roussef a foto que mostra o começo do primeiro discurso como presidente eleita. Por solicitação da candidata vitoriosa, posam para a posteridade o vice Michel Temer, o companheiro José Eduardo Dutra e o acompanhante José Eduardo Cardozo. Os outros são penetras. Valeram-se de empurrões, cotoveladas e pontapés para alojar-se no espaço sempre diminuto reservado a essa maravilhas da fauna política nativa: o papagaio de pirata.
Infiltrada entre Temer e Dilma, a prefeita Luizianne Lins capricha na expressão severa de quem veio de Fortaleza para testemunhar a leitura dos Dez Mandamentos. Espremidas no fundo, há duas metades de rosto. O homem da face esquerda é Magno Malta, senador reeleito pelo PR capixaba, pastor evangélico e pecador juramentado, ficou nacionalmente conhecido no escândalo dos sanguessugas. O parceiro da face direita é enigma só mais tarde decifrado: se só se candidata a qualquer papel em qualquer novela, o que é que faz nessa foto o ator José de Abreu?
Ele mesmo resolveu esclarecer o mistério com um texto publicado no blog do Xexéo. O título é tão intrigante quanto a aparição em Brasília: Piratas, Papagaios, Torturas e Torturados. O primeiro parágrafo registra o desconforto do articulista com a chuva de piadas que inspirou. “A pior, exatamente de um humorista, o Gregório Duvivier,lançou meu nome (ainda bem que foi apenas o nome, não eu) para o Ministério da Figuração, logo eu que vivo fazendo novela das oito”, resmunga.
Com uma alusão cifrada a Dilma Rousseff, Abreu insinua em seguida que ficou na ribalta a pedido da estrela: “A verdade é que, naquele momento, quando tiraram os outros papagaios do palco e eu ia descer, uma mão firme me segurou, um olhar carinhoso cruzou com o meu e me senti estimulado a ficar. E fiquei”. E entãio entra em cena o combatente triunfante:
Eu estava entre amigos, lutadores, como eu, da boa luta. E vitoriosos numa batalha onde golpes baixos eram lançados a toda hora, um aborto na canela, uma homofobia nas partes pudendas, um bispo protetor de pedófilo pisando no dedão… Terrorista, ladra, assassina, era o que se dizia dela, minha companheira de luta contra a ditadura, que de branda nada tinha. E tome machismo, preconceito, baixarias. Estava feliz e emocionado, a lembrar dos censurados, dos torturados, dos assassinados pelo terror de Estado.
E pensei:
— Melhor ser papagaio de pirata que pirata sem papagaio.”
Foi a segunda atuação de José de Abreu como coadjuvante de comédias políticas de péssimo gosto. A estreia ocorreu no espetáculo do cinismo encenado em agosto de 2006 na casa do ministro Gilberto Gil no Rio de Janeiro. Sentado na primeira fila de cadeiras da sala de visitas, o presidente Lula, convidado de honra, ouviu o resumo da ópera feito pelo produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. “A política é um terreno pantanoso, a ética é de conveniência”, disse Barretão. “Se o fim é nobre, os fins justificam os meios. O que eu acho inaceitável é roubar. Mentir é do jogo político. Não é roubo”.
Em campanha pelo segundo mandato, Lula sentiu-se entre companheiros. Sentiu-se entre cúmplices com a fala inicial do ator Paulo Betti: “Não vamos ser hipócritas: política se faz com mãos sujas”, recitou o ex-galã. “Não estou preocupado com a ética do PT”, solfejou o músico Wagner Tiso. “Acho que o PT fez um jogo que tem que fazer para governar o país”. O epílogo ficou por conta de José de Abreu, a quem coube estender o braço solidário do elenco aos companheiros José Dirceu, José Mentor e José Genoino. Todos Josés, como o ator. Um quarteto e tanto.
O Dirceu foi acusado de chefiar a “organização criminosa sofisticada” do mensalão. O Mentor ampliou notavelmente o prontuário como relator da CPI do Banestado e comparsa de Marcos Valério. O Genoino, uma das estrelas do maior escândalo da história da República, evadiu-se da presidência do PT depois que o assessor do irmão foi capturado com dólares na cueca. Abreu, o quarto José, mereceria ser boicotado pelos critérios da decência se já não tivesse sido condenado à obscuridade.
A exemplo do papagaio de pirata, os demais participantes da apresentação obscena são dependentes de patrocínios extorquidos de empresas estatais e favores concedidos pelo governo. Artistas e intelectuais estatizados se preocupam demais com as incertezas do futuro. É por isso que tantoa deles envelhecem mal. Ou nem envelhecem: passam , sem escalas, de moços a velhacos.

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