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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Briga de Branco

Por Pitacos Políticos - http://pitacos-politicos.zip.net/

A Presidente eleita Dilma não vive no paraíso nos primeiros dias após a sua vitória. É como se ela estivesse debaixo de fogo amigo, vindo de todas as direções. Seu condomínio faz pressão de todo lado, para ver quem manda mais no pedaço. O PT, julgando-se dono da cocada preta, tentou controlar totalmente o comando da transição. Desdenhou todos os aliados, inclusive o “parceiro-mor”, o PMDB. De bobo, o partido de Sarney e de Renan não têm nada. Deu um chega prá lá e conseguiu emplacar o nome de Michel Temer na equipe de transição.

A função do presidente do PMDB tem um quê de rainha da Inglaterra, no plano formal. José Eduardo Dutra, presidente do PT, disse que ficará em suas mãos os “contatos políticos”, para saber a demandas dos partidos aliados. Palocci cuidará da “parte técnica da transição”. Ué, o que fará Temer? Aceitará uma "coordenação geral" tão etérea que, na prática, Dutra e Palocci irão ignorar?

Ele e os profissionais pemedebistas que o cercam não são dados a fazer figuração. Já existe uma espinha atravessada na garganta destes caciques em função de terem sido jogados para escanteio na coordenação da campanha, onde Moreira Franco - do PMDB- estava lá só para constar. Concretamente ele foi uma peça ornamental na coordenação da candidatura de Dilma, sem função e sem força. Temer se disporá a ser isto? Dificil acreditar.

Este é apenas um ato de uma briga de branco, da qual a oposição não tem nada a ver. Deve assistir de camarote. O pano de fundo em torno de tanto “arranca-rabo” é sobre a definição de quem dará as cartas no futuro governo e se Dilma será dona do seu próprio destino, ou se ficará de mãos atadas diante de tantas pressões e contrapressões.

São vários contenciosos a serem administrados. O primeiro deles diz respeito a qual será o exato papel de Lula, que de uma tacada só, “sugeriu” a continuidade da equipe econômica – Guido Mantega e Henrique Meireles – e mais as de Fernando Haddad e Nelson Jobim, além da sua sugestão, que tende a ser acatada, de mandar Palocci para o Ministério da Saúde. Lula não quer que Palocci corra o risco de atrair os holofotes para a Casa Civil e passe ainda por uma fase de “transição”, para sua reabilitação total em face do “caso Francenildo”.

É difícil crer que Lula aceite ser apenas um “conselheiro”, que de vez em quando é consultado pela presidente. Isto não é da natureza dos caudilhos e muito menos do próprio Lula. No seu figurino, a eleição da candidata que ele indicou está mais próxima da Argentina do fim da ditadura de Lanuse (1973), quando a assunção do peronista Hector Câmpora expressou a fórmula “Câmpora no Governo, Perón no Poder”.

Evidente que se esta fórmula for aplicada ao Brasil de 2010 (Dilma no governo, Lula no poder), ela será fonte de crises continuadas, em função da dualidade que criará. O problema de Dilma é que ela não pode ser ingrata com seu criador, mas tem que afirmar sua autoridade desde já, para que não se consolide a imagem de que quem manda de fato é o caudilho responsável por sua eleição.

No rol de brigas, nas quais a oposição não deve meter o bedelho, está a disputa entre os partidos aliados em torno da ocupação dos cargos, sobretudo os Ministérios e as estatais estratégicas. Os peemedebistas já mandaram seu recado, através de Eduardo Henrique Alves, líder do partido na Câmara: “O PMDB não cederá um só milímetro dos seus direitos”. Leia-se, exige o que já tem no governo Lula, mais os “avanços” fruto da aliança privilegiada com Dilma.

Vem briga grossa por aí, pois o PMDB se julga com o direito de ser uma das partes na administração do condomínio lulopetista. É a tal história clamada por Temer antes da eleição de “vamos partilhar o pão.” Além de querer manter sua cota ministerial, exigirá um Ministério lotado no Palácio do Planalto, para participar das reuniões diárias do núcleo do poder. E já deixou claro que deseja a “porteira fechada”, ou seja, a posse de um ou mais ministérios de cabo a rabo, indicando até o porteiro do prédio.

Por falar em partilha, partidos aliados, como o PSB, que no governo Lula contentou-se com migalhas, querem agora uma participação maior no bolo ministerial. O PSB, que elegeu seis governadores e 35 deputados, já anunciou que quer dois ou três ministérios alguns dos quais “com capilaridade para aumentar a interlocução no Norte e Nordeste”. Por fatores aleatórios, foram nestas duas regiões onde o PSB elegeu um maior número de governadores. Já o PDT, outro partido do “bloquinho de esquerda”, já anunciou que pleiteia a ampliação do seu espaço no governo, hoje limitado ao Ministério do Trabalho. O PP acaba de proclamar-se da “base”, leia-se, quer lugar na fotografia. Ou seja, a soma das exigências é maior do que o bolo dos ministérios e estatais “estratégicas”. Alguém se sentirá diminuído ou jogado de lado. E ainda tem o PT propriamente dito, que fez concessões a rodo na composição da arca de Noé, que foi a candidatura de Dilma. O partido agora quer mais, o que julga ser de direito.

Não se iludam. O PMDB vai querer ter o comando das duas casas do Congresso Nacional – Câmara e Senado – nos dois primeiros anos de governo. Talvez esta seja a grande dor de cabeça de Dilma, logo no início de fevereiro e a depender do desfecho da disputa entre PT e PMDB, podem ocorrer sérias fraturas na base aliada.

Taticamente, é possível que o PMDB deixe esta guerra para fevereiro, quando ocorrerá a eleição, até para assegurar primeiro o tamanho que reivindica no governo Dilma, o comando de nada mais, nada menos do que seis ministérios. Se pensarmos nos trinta e cinco ministérios e secretarias especiais criados por Lula, até que não é exagero. Se pensarmos que o desejo é o filé, a coisa muda de figura.

Para conter os ímpetos dos peemedebistas na Câmara, o PT vem acenando com um acordo estratégico com os partidos do bloquinho (PDT, PSB e PC do B), que deixaria o PMDB a ver navios e fora do comando da Câmara Federal por quatro anos. O problema é que os caciques peemedebistas são profissionais ao extremo e podem causar sérios transtornos para a maioria que Dilma terá no futuro Congresso Nacional.

Ainda é cedo, aliás muito cedo, para saber se Dilma se afirmará ao ponto de se legitimar para disputar a reeleição, o que transformaria Lula em uma espécie de “consultor”, sem poder de mando. Está para nascer o caudilho que aceite, pacificamente, ficar de fora. Ela ainda não sentou na cadeira presidencial, mas já declarou que não vê porque não poderia tentar a reeleição. Acha natural o mandato de fato de oito anos, com um pebliscito no meio, para decidir a continuidade.

Dilma já está colocada à prova, em termos de sua relação com seu criador e o vastíssimo e díspare condomínio que a elegeu. A oposição observa de camarote.

É como dizem os mais sábios: “quem pariu Mateus, que o embale".

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