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domingo, 14 de novembro de 2010

Dom Hélder Câmara - Ô Cearence Danado de Bom


Ontem entabulei uma conversa espetacular e profundamente emocionante com @marcia1907 e @JotaCe2010 sobre um dos homens mais admiráveis que conheci: Dom Hélder Câmara. E aqui estou escrevendo sobre isso.

Um profeta do século XX, Dom Hélder abdicou da moradia no exuberante Palácio Episcopal de Recife para se instalar na Casa Paroquial da pequenina Igreja de N.Sª da Assunção das Fronteiras da Estância de Henrique Dias, que também dá nome à rua onde se localiza, Rua das Fronteiras; e que se resume a um minúsculo quarto, uma sala e um banheiro, equipados com móveis espartanos e estantes abarrotadas de livros.

Como eu sei desses detalhes? Posso me considerar um privilegiado por ter convivido muito próximo a esse sensacional vulto da nossa história ao longo de anos em que o servi como coroinha na pequena igreja; quase um apêndice da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças vinculada à Fundação Universidade de Pernambuco.

Eu morava num edifício no lado oposto da mesma quadra da igreja e todos os domingos ia participar de sua celebração às 07:00 h. Era dureza acordar, mas a sensação de paz e santidade que emanava do Dom, como o chamavam as irmãs de caridade que administram a faculdade e a igrejinha; compensava qualquer sacrifício.

Dono de uma cultura e inteligência fora do comum, o Dom dominava o idioma como poucos. E não só o nosso: que eu me lembre, falava inglês, francês, italiano e latim. Suas pregações nas missas calavam fundo e emocionavam. E a ele mesmo também. Muitas vezes o vi chorar antes, durante ou depois das celebrações; principalmente quando falava sobre as ações do governo militar contra os padres da arquidiocese.

"Façam comigo. Eu sou o superior deles e eles obedecem minhas diretrizes", dizia às lágrimas.

Amigo pessoal e confessor do Papa Paulo VI, que conheceu ainda Monsenhor Giovanni Montini; frequentava o Vaticano com a habitualidade com que vamos ao supermercado. Com essa fluência de tráfego e prestígio, obtinha apoio para as sua incontáveis obras como a implantação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -CNBB e o Conselho Episcopal Latino-Americano - CELAM; além da espetacular Cruzada São Sebastião cuja finalidade era dar moradia decente aos favelados do Rio de Janeiro; e o Banco da Providência, cuja atuação se desenvolve no atendimento a pessoas que vivem em condições miseráveis.

Lembrança eterna de seus avisos de que no domingo seguinte não haveria missa porque "o Papa o havia convocado para uma missão, e quando o chefe chama não se pode demorar". Até brincávamos em casa: Paulinho me chamou e lá vou eu.

Não me cabe aqui fazer uma biografia do Dom porque seria inapropriado, mas apenas exaltar por instantes a figura de um santo não canonizado, que não se tornou Cardeal por ser proscrito da cena pública pelo regime cujos excessos combateu, sendo a ele vetada qualquer referência pública, mesmo sendo a Autoridade Eclesiástica de Olinda e Recife. Pregava no Brasil e no exterior uma fé cristã comprometida com os anseios dos empobrecidos. Foi perseguido pelos militares por sua forte e vigorosa atuação social e política, sendo acusado de comunismo. Foi chamado de "Arcebispo Vermelho". Foi-lhe negado também o acesso aos meios de comunicação social após a decretação do AI-5, sendo proibida inclusive qualquer citação a ele.

Em 1984, ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia, cumprindo a aposentadoria compulsória. Continuou a viver no Recife, nos fundos da Igreja das Fronteiras. Morreu aos 90 anos em Recife no dia 27 de Agosto de 1999.

Doutor Honoris Causa em 32 Universidades brasileiras e internacionais, o Dom foi indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, que não ganhou pelas mesmas razões que o impediam de ser público (o próprio presidente Medici determinou ao Ministério da Relações Exteriores que se empenhasse contra a aprovação); Cidadão Honorário de dezenas de cidades Brasil e mundo afora, multipremiado e de reconhecimento global.

Guerreiro da Paz, Dom da Paz, Bispo Vermelho, Bispo dos Pobres, Profeta do Terceiro Mundo, Arcebispo das Favelas, Artesão da Paz, Dom do Amor, da Paz e da Justiça, Campeão da Solidariedade, Bispo Comunista, são algumas das denominações que recebeu. Para o bem ou para o mal.

Em fevereiro de 2008 foi encaminhado à Congregação para a Causa dos Santos, no Vaticano, o pedido de beatificação de D. Hélder pela Comissão Nacional de Presbíteros (CNP), vinculada à CNBB).

O Regional Nordeste 2 da CNBB, a arquidiocese de Olinda e Recife, o Instituto Dom Hélder Câmara (IDHeC) e a Universidade Católica de Pernambuco promoveram a comemoração do centenário de Dom Hélder, que foi celebrado em 7 de fevereiro de 2009. O objetivo foi manter viva a sua memória e a sua luta pela solidariedade e justiça social.

A cidade do Rio de Janeiro, onde também foi bispo, prestou recentemente uma justa homenagem ao erigir uma estátua em sua honra, na avenida que também leva seu nome.
Veja a reportagem do RJ TV sobre o evento.




"Gostaria de ser uma simples poça d'água que refletisse o céu" + Hélder Câmara





2 comentários:

Regina Brasilia disse...

De arrepiar. Uma das figuras mais admiráveis, não só da Igreja Católica, mas do mundo, e para a vida.

"Feliz de quem entende que é preciso mudar muito pra ser sempre o mesmo." (D.Hélder)

marcia1907 disse...

pois é temos obrigação cristã e cidadã de não deixar que a vida e obra de don helder sejam esquecidas.